“Ai, meu Deus!” A expressão ecoa com a mesma urgência e familiaridade tanto nos lábios de um devoto fervoroso quanto naqueles de um cético convicto. Essa aparente contradição linguística, tão entranhada em nosso cotidiano, revela uma verdade profunda sobre a condição humana. O conceito de “Deus”, independentemente de sua filiação religiosa, transcende a teologia e se instala como um significante fundamental em nossa estrutura psíquica e cultural. Ele é, talvez, o mais potente símbolo que possuímos para nomear o limite de nosso controle e a vastidão de nossa esperança.
A multiplicidade de nomes — sejam eles Olorum, Jeová, Alá, ou abstrações filosóficas como “O Universo”, “O Absoluto” ou “O Grande Outro” — não dilui, mas reforça esse ponto. Cada nome é uma tentativa de dar contorno ao que, por definição, nos escapa. Como um conceito sociológico e filosófico, “Deus” funciona como um referencial simbólico, uma instância última à qual podemos endereçar nossas angústias, nossos desejos e, sobretudo, nossas esperas. Mesmo o ateu, ao clamar por “Deus” num momento de desespero, não está necessariamente traindo sua convicção, mas utilizando a ferramenta cultural mais eficaz que a linguagem lhe oferece para expressar a totalidade de sua impotência e a urgência de seu desejo por uma resolução.
É exatamente neste ponto que o símbolo de Deus se entrelaça de forma intrínseca com a esperança. A esperança não é apenas um otimismo vago; ela é uma estrutura psicológica que exige um “endereçamento”. Esperar é, fundamentalmente, projetar uma narrativa positiva no futuro, e essa projeção quase sempre implica um apelo. Ao dizermos “Se Deus quiser”, estamos realizando um ato de fala que reconhece as variáveis incontroláveis da vida. Estamos, simbolicamente, “entregando” o resultado a essa instância que representa tudo o que está além da nossa agência. Esse ato de entrega, paradoxalmente, não é passividade; é o que nos permite continuar agindo no presente. É o mecanismo que nos liberta da paralisia do “e se…?”, pois depositamos a incerteza máxima em um lugar simbólico fora de nós.
Esse mecanismo, por sua vez, molda sutilmente nossas atitudes diárias. A esperança estruturada em torno desse símbolo maior — seja ele um Deus pessoal ou um princípio de ordem universal — torna-se um esteio ético. Se acreditamos (ou esperamos) que o universo, ou Deus, se inclina para a justiça, somos mais propensos a agir com retidão. Se a esperança é a de que a bondade “compensa”, nossas interações diárias são informadas por essa busca. A invocação de Deus, mesmo quando secularizada, nos lembra de uma ordem de coisas que nos transcende. Ela funciona como um lembrete de que nossas ações não ocorrem no vácuo, mas ecoam em um sistema maior, seja ele divino, social ou cármico.
Em última análise, a persistência do “nome de Deus” em nosso vocabulário, independentemente da fé que professamos, revela menos sobre o divino e mais sobre o humano. Revela nossa necessidade de um diálogo com o mistério, nossa recusa em aceitar o caos como a palavra final e nossa profunda necessidade de estruturar a esperança. “Deus” é a palavra que usamos quando nossa própria linguagem falha, o símbolo que invocamos para dar sentido à espera e a bússola que, consciente ou inconscientemente, utilizamos para orientar nossas atitudes no complexo território do dia a dia.