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20 hours ago

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Photo by Markus Spiske on Unsplash

A sociedade contemporânea vive sob a égide de uma tirania silenciosa: a ditadura do “normal”. O conceito de normalidade, longe de representar um estado de saúde psíquica ou estabilidade social, transformou-se em uma espécie de anestesia coletiva. Aceita-se, com passividade exaustiva, uma série de violências simbólicas que fragmentam o tecido social. O cerne desse mal-estar reside na crença de que a autonomia absoluta é o ápice da existência humana, estabelecendo uma premissa perigosa: a de que o cuidado de si justifica a indiferença para com o outro.

Em primeira análise, observa-se a ascensão da lógica do “Eu S.A.”. Inseridos no que o filósofo Byung-Chul Han denomina “sociedade do desempenho”, os indivíduos passaram a gerir seus afetos como ativos empresariais. Nessa contabilidade emocional, as relações humanas são frequentemente reduzidas a contratos de utilidade: se o outro não oferece lucro imediato ou demanda tempo e renúncia, é descartado. A dependência mútua, outrora base da comunidade humana, é hoje estigmatizada como fraqueza. Normaliza-se, assim, uma “indiferença polida”, onde o isolamento é rebatizado de liberdade, mas vivenciado como desamparo.

Ademais, é imperativo questionar a deturpação do conceito de autocuidado. O que deveria ser uma prática de preservação da saúde mental tornou-se, muitas vezes, um álibi para o narcisismo e para a recusa da alteridade. Sob o pretexto de “proteger a própria energia”, erguem-se muros intransponíveis. Fenômenos como o ghosting ou o cancelamento de compromissos sem consideração pelo interlocutor são sintomas de um higienismo afetivo, onde o desconforto inerente ao convívio é evitado a todo custo. Cria-se uma sociedade de mônadas, átomos sociais que se tocam sem se misturar, acreditando que a autossuficiência os protegerá da dor, quando, na verdade, apenas aprofunda a solidão estrutural.

O que se aceita como “normal” hoje configura-se, na realidade, como uma barbárie afetiva. A exaustão contemporânea não advém apenas das demandas laborais, mas do esforço contínuo para sustentar uma performance de invulnerabilidade. Para romper com essa lógica adoecedora, é necessário desafiar a premissa de que cuidar de si exige a exclusão do outro. A verdadeira saúde psíquica e social depende do resgate do vínculo e da admissão da nossa vulnerabilidade constitutiva. Somente ao reconhecer que não existe “eu” sem “nós” será possível transformar a solidão patológica em convivência genuína.

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