O ser humano é, por natureza, um ser de hábitos e apegos. Construímos nossas vidas sobre a ilusão da permanência, buscando em rotinas, relações e identidades uma sensação de estabilidade. Por isso, o “recomeço” é frequentemente encarado não como uma oportunidade, mas como um epitáfio: a prova de um fracasso, o trauma de uma perda, o fim de um caminho. A necessidade de recomeçar assusta porque ela exige, antes, o reconhecimento de um fim. Neste cenário, a terapia, e mais especificamente a análise, surge como uma ferramenta crucial, não para apagar o passado, mas para ressignificá-lo, transformando o que era visto como “ruim” em um limiar necessário para o novo.
O primeiro mito que a análise ajuda a desconstruir é o do “esquecimento” como solução. O senso comum prega que “esquecer” é o caminho para a cura. No entanto, a experiência analítica demonstra o oposto: o que não é elaborado, o que é forçosamente esquecido ou reprimido, retorna. Retorna como sintoma, como ansiedade, como repetição. O passado não elaborado se torna um fantasma que assombra o presente e impede qualquer recomeço genuíno, condenando o sujeito a repetir os mesmos padrões destrutivos.
A análise propõe um caminho mais árduo, porém mais eficaz: a elaboração. O espaço analítico é, antes de tudo, um local seguro para o luto. É o lugar onde se pode, enfim, falar sobre a perda — seja ela um relacionamento, um emprego, uma fase da vida ou uma autoimagem. Ao nomear a dor, o sujeito começa a separá-la de si mesmo. O que era uma dor onipresente e paralisante, que definia a totalidade do ser, torna-se uma experiência narrável. A terapia não oferece o esquecimento; ela oferece a possibilidade de lembrar sem ser destruído pela memória.
É nesse ponto que o “recomeço” deixa de parecer “ruim”. O que torna um fim traumático é a sensação de que, com ele, tudo se perdeu. A análise permite uma auditoria cuidadosa dos escombros. Ela ajuda o sujeito a enxergar que o fim de algo (um casamento, uma carreira) não é o fim do sujeito. Ao desfazer as fusões imaginárias — “Eu era aquele relacionamento”, “Eu era aquele cargo” — a terapia devolve ao indivíduo a posse de si mesmo. O recomeço, então, não é mais um salto no vácuo, mas o primeiro passo de alguém que redescobriu seu próprio chão.
Além disso, a análise é o principal instrumento para que o recomeço seja, de fato, novo. Muitas vezes, o que chamamos de “recomeçar” é apenas a troca de cenário para a reencenação do mesmo drama. Mudamos de parceiro, de emprego ou de cidade, mas levamos conosco os padrões inconscientes que sabotaram a situação anterior. A análise, ao focar nos padrões de repetição, permite ao sujeito questionar: “Por que sempre acabo aqui?”. Ao trazer à luz essas dinâmicas, ela oferece a chance de uma escolha real. O recomeço deixa de ser uma reação impulsiva ao passado e torna-se uma ação consciente no presente.
A análise não minimiza a dor de um fim, nem oferece um otimismo ingênuo sobre o futuro. O que ela faz é muito mais profundo: ela transforma a percepção do próprio sujeito. O “recomeço” deixa de ser a admissão de uma falha e passa a ser o exercício da liberdade. Não se trata de esquecer, mas de elaborar. Não se trata de apagar, mas de integrar. A terapia nos ensina que o fim não é apenas um ponto final; ele pode ser, se trabalhado, o ponto de partida mais honesto que já tivemos.