No vasto universo da comunicação humana, uma das distinções mais fundamentais e, ao mesmo tempo, mais reveladoras é a que existe entre o significante e o significado. Proposta originalmente pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure, essa dualidade não apenas revolucionou os estudos da linguagem, mas também forneceu uma ferramenta indispensável para campos que se debruçam sobre a subjetividade, como a filosofia, a sociologia e, de forma proeminente, a psicanálise. Compreender essa relação é abrir uma porta para entender como construímos a realidade, como nos expressamos e, sobretudo, como o nosso inconsciente se manifesta.
De forma simples, podemos pensar no signo linguístico — a palavra — como uma moeda de duas faces inseparáveis. Uma face é o significante: a imagem acústica, o som que pronunciamos ou as letras que escrevemos. É a parte material, concreta, do signo. Por exemplo, ao ouvir ou ler a palavra “casa”, o som /kaza/ ou a sequência de letras c-a-s-a constitui o significante. Ele, por si só, não carrega sentido algum; é uma forma vazia.
A outra face é o significado: o conceito, a ideia, a imagem mental à qual o significante nos remete. Ao processar o significante “casa”, nossa mente evoca o conceito de uma edificação usada para moradia, com paredes, teto, portas e janelas. Saussure defendia que a relação entre esses dois é arbitrária, ou seja, não há nenhuma razão natural ou intrínseca para que o som /kaza/ se refira a esse conceito. Prova disso é que outros idiomas utilizam significantes completamente diferentes (como house em inglês ou maison em francês) para se referir ao mesmo significado. A ligação é puramente convencional, um pacto social.
Para Saussure, o significante e o significado estavam firmemente atrelados, como o anverso e o reverso de uma folha de papel. Contudo, foi a psicanálise, na releitura de Jacques Lacan, que percebeu o potencial revolucionário de afrouxar essa conexão. Lacan inverteu a primazia, afirmando que o significante é soberano. Para ele, o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e é o fluxo incessante dos significantes que nos constitui como sujeitos.
A Importância na Análise
É aqui que a distinção se torna uma ferramenta clínica de valor inestimável. Em uma análise, o psicanalista não está interessado apenas no “significado” que o paciente acredita estar transmitindo de forma consciente. A escuta analítica é, antes de tudo, uma escuta dos significantes. O analista presta atenção à materialidade da linguagem: às palavras escolhidas, às repetições, às pausas, aos equívocos e, especialmente, aos atos falhos (os famosos “lapsos freudianos”).
Quando um paciente, querendo dizer “meu pai”, diz acidentalmente “meu chefe”, o analista não descarta o ocorrido como um simples erro. O surgimento do significante “chefe” no lugar de “pai” aponta para uma cadeia de associações inconscientes. Talvez as ideias de autoridade, poder, lei e trabalho (significados associados a “chefe”) estejam entrelaçadas de forma conflituosa à figura paterna. O significante que emerge “sem querer” é, na verdade, uma verdade do sujeito do inconsciente que se manifesta, rompendo a barreira da intenção consciente.
Lacan afirmava que o significado está em um constante “deslizamento” sob a cadeia de significantes. Uma mesma palavra — “amor”, “liberdade”, “dor” — não possui um significado fixo e universal. Seu sentido é determinado pela relação com os outros significantes que a acompanham na fala de um sujeito e pela história particular desse sujeito. O sintoma, nessa perspectiva, pode ser entendido como um significante “congelado”, uma metáfora de um sofrimento que não pôde ser articulado de outra forma. A cura pela fala (talking cure) opera justamente ao permitir que esse significante volte a circular, que se ligue a outras palavras e encontre novas inscrições, novos significados possíveis, aliviando o peso do sintoma.
Em suma, a jornada do signo, de Saussure a Lacan, nos leva do estudo da estrutura da língua para a exploração da estrutura do sujeito. Entender a dinâmica entre significante e significado é perceber que não somos mestres absolutos de nossa fala. Somos falados por uma linguagem que nos precede e nos constitui. Para a análise, portanto, essa distinção não é mera teoria linguística; é o princípio norteador da escuta, a chave que permite acessar as formações do inconsciente e acompanhar um sujeito na redescoberta de sua própria verdade, inscrita na trama de sua fala.